O setor automotivo brasileiro teve um 2024 de crescimento – e promete se desenvolver ainda mais no futuro próximo. Por isso mesmo, é importante o segmento vidreiro estar atento às evoluções desse mercado. Nesta reportagem, O Vidroplano comenta um pouco a respeito do trabalho com vidro para automóveis, mostra como funcionam as parcerias com montadoras e destaca o que o futuro espera para nosso material em veículos.
Desempenho do mercado
Conforme balanço divulgado pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), o primeiro trimestre deste ano indica uma boa recuperação do desempenho do setor automotivo nacional na comparação com o início de 2024: foram produzidas 583 mil unidades, 8,3% a mais que no mesmo período do ano passado – é o melhor resultado desde 2021.
No entanto, março foi ruim – o pior desde 2022. A produção caiu 12,6% em relação a fevereiro, principalmente nas fábricas de automóveis e comerciais leves. Até tivemos uma boa notícia, com a alta de 11,3% nas vendas (em relação a fevereiro), mas 61% desse aumento vieram dos modelos importados não fabricados aqui.
Por outro lado, as exportações cresceram bastante: 40,6% no trimestre na comparação com o mesmo período de 2024. Foi o melhor primeiro trimestre desde 2018 para o indicador.
O mercado nacional
A AGC e a Cebrace (por meio da Saint-Gobain Sekurit) são as usinas que fabricam vidros automotivos no Brasil. A demanda para nosso produto se divide em dois braços distintos: o fornecimento para as montadoras de automóveis (peças instaladas em veículos durante a produção deles) e o mercado de reposição.
Dentro dessas divisões, existem diversos nichos a serem alimentados. As duas processadoras gaúchas consultadas para esta reportagem (Grupo Tecnovidro, de Farroupilha; e Vidroforte, de Caxias de Sul) atendem alguns deles. Para o segmento de encarroçadores de ônibus, por exemplo, são produzidos itens dos mais diversos, incluindo para-brisas, tetos solares, janelas laterais, portas, vidros da cabine do motorista, espelhos e divisórias. Máquinas agrícolas e equipamentos pesados (tratores, escavadeiras) também representam um mercado importante, assim como o de vans escolares.

tipo de veículo, ocorre redução da espessura
dos vidros para diminuir o peso dos veículos (foto: Divulgação Tecnovidro)
Investindo no mercado
No ano passado, a AGC anunciou a expansão da capacidade produtiva de sua divisão de vidros automotivos, localizada no complexo industrial da usina em Guaratinguetá (SP). A decisão vai ao encontro das expectativas de crescimento do mercado automotivo nacional para os próximos anos e foca na atualização tecnológica do processo produtivo, de forma a atender e acompanhar a evolução desse segmento – incluindo o uso de heads-up display (HUDs) nos vidros: esse tipo de projeção de informação sobre a superfície dos para-brisas promete tornar-se padrão da indústria mundial num futuro próximo (saiba mais no quadro no final da reportagem).
O presidente da AGC no Brasil, Isidoro Lopes, comentou no fim do ano passado, em episódio do VidroCast, o podcast da Abravidro, que a operação da linha renovada deverá começar em julho deste ano – uma segunda linha está nos planos, a depender de outras tecnologias a serem aplicadas nos vidros pelo setor automotivo nacional. “Estamos muito felizes com esse mercado no Brasil ao longo dos últimos dois, três anos”, afirmou.
O projeto conta com investimento de parceiros do mercado financeiro e contemplará requisitos de governança ambiental, social e corporativa (ESG), gerando cerca de 150 novas contratações diretas e 600 indiretas na região até 2030.
Automotivo x construção: as diferenças entre os vidros
O vidro plano destinado à construção é a base do vidro automotivo. Sérgio Massera, diretor-comercial e de Gestão de Novos Programas da AGC, indica que os processos pelos quais nosso material passa incluem a adição de esmalte cerâmico e a curvatura das peças, sejam temperadas ou laminadas, antes da adição dos componentes específicos para a montagem veicular. “Além disso, o nível de exigências quanto às características ópticas é maior no mercado automotivo”, aponta Jesuino D’Avila, diretor-geral da Sekurit América do Sul.

em automóveis, incluindo maior presença
de modelos com teto solar, é uma das
principais tendências modernas no uso de
nosso material em veículos (foto: UnPinky/stock.adobe.com)
Evolução do trabalho
Há mais de duas décadas fornecendo vidros para automóveis, tanto o Grupo Tecnovidro como a Vidroforte notaram mudanças ao longo dos anos na forma de atuar com nosso material nesse mercado. “Temos percebido uma evolução significativa no design dos produtos. Os vidros deixaram de ser meramente funcionais para se tornar elementos estéticos fundamentais, com geometrias cada vez mais arrojadas e complexas. Essa tendência exige processos produtivos mais tecnológicos e precisos por parte dos fabricantes”, comenta Fabrício Flach, gerente-comercial do Grupo Tecnovidro.
“Em todos os segmentos, e especialmente na linha de ônibus, vemos a redução da espessura dos vidros para diminuir o peso dos veículos. Marquinhas ou pequenos riscos no vidro, que antes eram tolerados, hoje não são mais aceitos”, conta José Maurício Toledo, CEO da Vidroforte. “A área envidraçada dos ônibus está cada vez maior, com mais detalhes, peças recortadas e curvaturas diferenciadas. Antigamente, o vidro era apenas um fechamento. Hoje, complementa o visual dos ônibus.”
De acordo com Toledo, a padronização das peças se dá em volumes pequenos. “Por exemplo, frotistas que compram cinquenta, cem, duzentos ônibus podem seguir um padrão. Mas outros clientes personalizam seus modelos. É difícil ter produção seriada com grandes volumes de um mesmo tipo de carro”, relata. “Quando uma encarroçadora lança um novo modelo, os clientes o personalizam, especialmente os vidros laterais. O para-brisa até costuma manter o padrão, mas os demais mudam bastante. O desafio da fábrica é operacionalizar isso com agilidade.”

constante no setor automotivo, dada a
variedade de modelos de automóveis
existentes (foto: Divulgação Vidroforte)
O contato com as empresas automotivas
Como se dá a relação com fabricantes de veículos? Quem define especificações? Cada modelo de automóvel ganha um vidro diferente? “As especificações dos vidros são estabelecidas em parceria com nossos clientes. Eles apresentam o escopo inicial do projeto, e nosso time técnico colabora para a adequação e validação das soluções, sempre considerando requisitos normativos de segurança e de performance”, explica Fabrício Flach, do Grupo Tecnovidro. “Mantemos relações profissionais de alto nível com nossos clientes, reguladas por contratos de fornecimento que estabelecem com clareza todas as diretrizes técnicas, comerciais e de qualidade. Esses acordos garantem a excelência no atendimento e a continuidade das parcerias.”
No mercado de reposição, os itens já vêm especificados – e a variedade é enorme, explica Toledo, da Vidroforte. “Algumas empresas utilizam vidros mais finos, curvos e recortados; outras usam peças de 5 a 6 mm, curvos ou planos. No ramo agrícola, cada cliente tem sua particularidade: chapas de 5, 6 ou 8 mm, com dupla curvatura e recortes complexos.” A processadora conta ainda com uma linha de janelas com tecnologia própria (incluindo sistema de vedação, de correr e de trava, assim como o design dos vidros).
Cada uma dessas parcerias mencionadas segue um modelo diferente. “Há empresas que recebem kits completos por ônibus, prontos para a linha de montagem. Outras trabalham com estoque ou sob demanda. Na linha agrícola, os pedidos costumam ter previsibilidade de três a seis meses, facilitando o planejamento. Já nas encarroçadoras, os pedidos podem ser para sete dias, com o veículo já vendido e em produção. Nesses casos, desenvolvemos o produto, fabricamos e entregamos diretamente para a linha de montagem dentro do prazo exigido”, afirma Toledo.
Algumas tendências modernas
- Vidros se tornaram importantes elementos estéticos nos projetos, passando a compor o conceito e o design do veículo. Um exemplo são as linhas de ônibus com forte uso de formas curvilíneas;
- Com a maior entrada de ônibus urbanos elétricos na malha rodoviária, exigem-se vidros cada vez mais finos, com tecnologia de controle solar, para otimizar o uso das baterias e diminuir a potência do ar-condicionado. Com isso, reduz-se a temperatura interna e melhora-se a autonomia do veículo;
- Vidros de controle solar podem substituir a instalação de películas para conforto térmico;
- Na linha de janelas de vans, há uma crescente exigência por menor ruído, vedação eficiente e, novamente, menor espessura.

Tecnologias de última geração
Não é só na construção civil que nosso seor precisa explorar o conceito de valor agregado – afinal, o vidro também pode oferecer diversos benefícios aos automóveis. Passar essa mensagem ao usuário é fundamental para fazer com que sua relação com nosso material seja mais próxima. “A tendência para os automóveis dos próximos anos indica que o vidro estará cada vez mais presente, contribuindo com o conforto acústico e térmico, bem como agregando novas funções que estão em desenvolvimento”, opina D’Avila, da Sekurit.
- Conforto acústico
Laminados com PVBs acústicos, desenvolvidos especialmente para controlar o nível de ruído no interior do veículo, podem filtrar altas e baixas frequências de som, reduzindo o barulho em até 10 dB – como é o caso do dBControl, produto da Saint-Gobain Sekurit.
- Conforto térmico
Por que investir em conforto térmico apenas nas edificações, sendo que as pessoas passam horas dentro de seus carros, especialmente em dias de trânsito parado? Em períodos de clima cada vez mais extremo, vidros de controle solar ajudarão a diminuir a transmissão direta de energia solar para dentro do carro, mesmo quando estacionado ao Sol. “O conforto térmico é muito explorado em regiões com mercado automotivo mais maduro, como América do Norte, Europa e Ásia, especialmente China e Japão”, afirma Sérgio Massera, da AGC. “Embora as montadoras estejam analisando as possibilidades e soluções alternativas, essas ainda não estão em um nível econômico viável para o mercado regional atual. Acredito ser somente uma questão de tempo para que a legislação local venha a requerer tal tecnologia aplicada nacionalmente.”
- Proteção contra raios UV
Os vidros de controle solar também oferecem proteção contra os efeitos dos raios ultravioleta, que são extremamente prejudiciais à saúde humana (causando de queimaduras a aumento do risco de câncer de pele) e aos materiais usados na construção dos automóveis (desbotando estofamentos e painéis).
- HUDs e realidade aumentada
A exibição de informações na superfície do vidro deverá ser a próxima grande revolução no uso de nosso material na indústria automotiva, quando se tornar reproduzível em larga escala. A experiência de condução ficará mais interativa e informativa: essas tecnologias utilizam combinação de sensores, câmaras e projeções para exibir dados nos para-brisas, em tempo real, sobre o veículo e o ambiente ao redor. Assim, motoristas poderão consultar tais informações sem precisar olhar para mostradores no painel ou aplicativos de rotas em celulares. Em tese, a condução deve se tornar mais segura. “Em um passado recente, as montadoras chinesas começaram a introduzir uma tecnologia de vidros panorâmicos e para-brisas com HUD, influenciando a tendência do mercado regional”, aponta Sérgio Massera. “A tecnologia ADAS (Advanced Driver Assistance System, ou Sistema Avançado de Assistência ao Motorista) já se encontrava em evolução na região, requerendo cada vez mais precisão na distorção óptica da área de medição dos sensores de presença alocados no para-brisa.”
- Interação com a luminosidade
Os vidros termocrômicos, que contam com películas especiais, alteram sua cor devido à mudança de luminosidade. Quanto mais intensa e direta a incidência da luz (ou seja, quanto mais ensolarado o dia), mais escura ela se torna – ajudando a reduzir, por exemplo, o ofuscamento, fator importante quando se está dirigindo.
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