Cuidar da gestão e das finanças de uma empresa não é uma tarefa simples: é preciso acompanhar atentamente tanto os indicadores internos como o cenário externo para a tomada de decisões – e todo esse cuidado se torna ainda mais importante em um mercado tão concorrido como o vidreiro. Para ajudar os gestores do nosso setor nesse trabalho, o VidroCast recebeu dois convidados especiais: Flávio Málaga, mestre e PhD em finanças, confirmado como um dos palestrantes do 16º Simpovidro (veja mais clicando aqui); e Victor Villas Casaca, presidente do Sinbevidros-SP e vice-presidente da Abravidro.
Málaga e Casaca conversaram com Iara Bentes, superintendente da Abravidro e editora de O Vidroplano, abordando tópicos como fluxo de caixa, o perigo de entrar em “guerra de preços” e as particularidades de empresas de gestão familiar. A seguir, confira alguns destaques do episódio – e assista à entrevista completa no YouTube.
Antes de entrar na parte complexa da nossa conversa, gostaria de começar com uma provocação: qual o objetivo de uma empresa?
Flávio Málaga – Essa é uma pergunta cuja resposta varia de acordo com quem responde. De forma geral, independentemente do perfil da empresa, o objetivo deveria ser sempre o mesmo: os gestores-executivos entenderem o que se passa financeiramente, se é algo sustentável e, a partir daí, tomar decisões sobre o que fazer com ela, se mexe ou não na política de preços, avaliando a produtividade e a eficiência e tomando decisões com base nesses dados para manter o negócio sustentável.
Victor Casaca – Olhando para o nosso mercado, quando um investidor aporta capital, ele quer remunerar esse capital da forma mais eficiente possível – e, se estiver assumindo algum risco, ele vai querer um retorno acima do que o mercado daria para ele. Acho que o vidro, uns quarenta anos atrás, passou por uma “época de ouro”, com poucos players e margens mais atrativas, em que o controle não era tão necessário. Como todo mercado, o setor cresceu, as margens foram ficando mais apertadas e, por isso, o desenvolvimento do controle do negócio se faz essencial.

(Flávio Málaga)
Qual a importância do fluxo de caixa em uma empresa, em especial no caso do perfil geral das empresas vidreiras, em que o investidor é o próprio dono?
FM – Como o fluxo de caixa é uma dinâmica consolidada de três atividades, é importante saber pegar essa métrica e abri-la nestas três vertentes: operacional, de investimento e de financiamento – lembrando que o fluxo de caixa da operação é o grande lastro da empresa, então é muito importante conhecer não só o fluxo consolidado, mas também as métricas separadas.
VC – As pessoas muitas vezes não entendem a variação de caixa, ou seja, por que o lucro não vira caixa, e esse é um problema muito sério em diversas empresas: “Por que o meu caixa diminuiu se o meu lucro aumentou?”. Os gestores acham que o simples aumento de vendas vai gerar caixa de alguma forma, e não é bem por aí.
Então, qual a relação entre lucratividade e política de preço?
FM – A política de preço é direcionadora das receitas e da capacidade de agregar valor ao custo que você tem para fornecer um produto ou serviço. Nem todos os clientes são iguais: alguns toleram precificações maiores – alguns serviços permitem diferenciar um cliente do outro. O importante é poder calibrar a estratégia de precificação de acordo com o perfil do seu cliente, mas você também precisa conhecer seus custos. O grande problema é quando a empresa trabalha com capacidades ociosas, e isso leva a uma briga de preços no mercado: gera o vício do cliente e compromete a sustentabilidade do negócio.
VC – Essa política comercial tem reflexos péssimos para o setor como um todo. Algo que seria pontual acaba se tornando recorrente e a gente entra numa espiral negativa sem fim. E acredito que muito dessa espiral aconteça por falta de conhecimento financeiro, por querer acompanhar o concorrente até o último gole, sem entender que aquilo já virou um prejuízo. É o ego, a emoção, falando acima da razão.
O preço não deveria ser um diferencial no mercado vidreiro, considerando que as condições para as empresas são muito parecidas, mas na prática é ele que define quem ganha a venda. Como a gente faz para reverter esse cenário?
FM – Não há uma resposta simples; em todo caso, você tem que olhar para dentro: onde trabalhar o seu ciclo operacional e financeiro, saber lidar com estratégias de preços pontuais para clientes específicos e extrair o máximo da eficiência da sua gestão. E, nessas horas, se tomar suas decisões às cegas, sem algo que dê algum embasamento, a chance do seu negócio ter um colapso é grande.

(Victor Casaca)
A Abravidro tem uma contribuição importante nesse sentido de criar uma cultura de dados para o nosso setor no Brasil com os nossos dois levantamentos, o Panorama Abravidro e o Termômetro Abravidro, ambas fornecendo informações a se somar para a tomada de decisão do gestor. Mas vemos que nem todas as empresas contribuem para essas pesquisas ou consomem esses dados.
VC – Sim, e isso é uma pena, porque são materiais muito ricos. O próprio Termômetro nos dá uma visão de curtíssimo prazo do que está acontecendo e permite ao gestor da empresa compará-la aos seus pares para identificar se ela está sendo eficiente ou não. A base para qualquer planejamento é entender o cenário em que seu negócio está inserido.
Quais são as principais diferenças entre as empresas com gestão familiar e as com gestão executiva?
FM – Eu prefiro não rotular que a gestão executiva seja melhor que a familiar. Conheço muitas famílias que conseguiram tornar suas empresas uma potência. Minha recomendação para as empresas familiares é que elas tenham uma gestão cada vez mais profissionalizada, mesmo que seja feita pela própria família. Se você tem familiares que são absolutamente competentes, por que não? A questão é quando você tem a família se sustentando pelo negócio sem entender o que a operação pode gerar, com pessoas que recebem mais do que o mercado pagaria e que não estão preparadas para a função. Isso tende a levar a conflitos societários entre pais, filhos e irmãos que não se falam, e a empresa vira uma gestão pessoal de conflitos. É preciso ter em mente que o que importa é a sustentabilidade do negócio, porque é ele que sustenta a família. O segredo não é binário – entre uma gestão totalmente profissionalizada e outra totalmente familiar, há vários cenários intermediários.
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