Prepare sua empresa para a Inteligência Artificial

Faz uns bons anos que o termo Inteligência Artificial (também conhecido pela sigla IA) vem ganhando espaço nas discussões do dia a dia. De um lado, existe a esperança de que ela permita um salto jamais visto na evolução humana; por outro, há o receio de a tecnologia invadir aspectos básicos da vida de cada um de nós, mudando-os para pior. Arte, medicina, comunicação, indústria: todos os segmentos terão de lidar com esse assunto mais cedo ou mais tarde – incluindo o setor vidreiro.

Pensando nisso, O Vidroplano decidiu conversar com players da cadeia, incluindo usinas e fabricantes de maquinários e softwares, para entender de que forma a IA pode impactar os negócios vidreiros. A fabricação de vidro ficará mais simples? Serão criadas novas tecnologias para o uso de nossa indústria? Empregos no segmento podem ser extintos como resultado disso? Confira a seguir respostas para essas e outras perguntas.

Máquinas que pensam
De acordo com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), Inteligência Artificial é a tentativa de reproduzir, em máquinas, o processo de pensamento humano. Para isso, são criados algoritmos que simulam o nosso raciocínio – e esses algoritmos, uma vez introduzidos em sistemas ou equipamentos, vão ajudá-los a trabalhar de modo mais independente. O resultado é a automatização de tomadas de decisões complexas, como avaliação de crises e prevenção de riscos, tornando a análise de dados mais rápida e precisa.

“Isso permite que as pessoas dediquem mais tempo ao pensamento criativo, o que vejo como uma das grandes oportunidades para o ser humano exercitar o melhor de suas qualidades”, comenta Renato Grau, CEO da consultoria de tecnologia Innovision, em artigo publicado pela Revista Indústria Brasileira. “A robótica, por sua vez, está se tornando mais autônoma e integrada às equipes humano-robôs, levantando preocupações naturais sobre a substituição de empregos. É necessário equilíbrio na integração, garantindo confiança e adaptabilidade na atribuição de poder.”

A indústria nacional aposta nesse poder transformador da IA: a Petrobras, por exemplo, desenvolveu sistemas de análise para prever falhas na exploração de petróleo e gás; já a Embraer utiliza plataformas de simulação para validar projetos de aeronaves. Mas isso pode ser visto também em pequenos negócios: sabe aquele chat automático de atendimento ao consumidor com quem você precisa falar antes de conversar com um humano? Aquilo também é IA – claro, uma forma simplificada dela. Isso mostra como o conceito está mais presente na vida de cada um de nós do que nos damos conta.

Qual o papel da IA nas empresas?
Segundo o Sebrae, a IA atua em três frentes nas empresas:

  • Redução de custos: é possível acelerar algumas etapas e diminuir a incidência de erros, minimizando as chances de prejuízos;
  • Otimização da produção: fundamental para a obtenção de maior retorno financeiro e para a criação de uma cultura organizacional sólida;
  • Prevenção de riscos: é possível identificar potenciais problemas e agir de maneira preventiva, antes que gerem complicações na produtividade e no desempenho organizacional.

E vale ter atenção especial às pequenas e microempresas na implementação dessas tecnologias: elas são mais vulneráveis em relação ao uso de IA, principalmente nos quesitos relacionados ao acesso a informações de segurança. Esse é o alerta de Fernando de Rizzo, CEO da metalúrgica Fundição Tupy, em texto publicado no documento Inteligência Artificial e a Indústria, do Grupo Mobilização Empresarial pela Inovação, iniciativa da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Diz ele: “A aplicação da IA requer uma robusta base operacional para seu desempenho seguro, não ocorrendo apenas isoladamente, mas em um contexto de conjunto de fatores tecnológicos e estruturais”.

Para Rizzo, o correto uso da tecnologia tem como base a inclusão digital, responsável por capacitar as pessoas no emprego dessas ferramentas; a segurança cibernética, em relação à proteção contra ameaças à privacidade e crimes cibernéticos; e a promoção de cooperação multilateral internacional, essencial para aprimorar a governança e a mitigação de riscos de crimes para além da fronteira do País. “Posto isso, pontua-se que se faz mandatório o reconhecimento e gestão dos riscos associados ao uso de IA, devendo contemplar pilares como ética, sustentabilidade, segurança, inclusão e diversidade”, escreveu.

 

As indústrias como um todo sentirão os impactos da IA: por isso mesmo, será necessário um equilíbrio na integração das novas tecnologias, garantindo a adaptação das pessoas a essa nova realidade (Foto: panuwat/stock.adobe.com)
As indústrias como um todo sentirão os impactos da IA: por isso mesmo, será necessário um equilíbrio na integração das novas tecnologias, garantindo a adaptação das pessoas a essa nova realidade (Foto: panuwat/stock.adobe.com)

 

A IA já é uma realidade no setor?
A presença da tecnologia em nosso segmento ainda é pequena, mas começa a tomar forma. “O uso de IA na fabricação de vidros está em um estágio inicial, muitas vezes limitado a provas de conceito. Grande parte das empresas está em fase de experimentação, buscando compreender como pode gerar retornos”, revela o presidente da Vivix, Henrique Lisboa. “No entanto, nos últimos dois anos, tanto no Brasil como internacionalmente, foram divulgadas aplicações práticas e casos de uso. Participamos de diversos eventos internacionais, como a Hannover Messe, na Alemanha, e Siemens Realize Live, em Las Vegas, e podemos dizer que, globalmente, o cenário é semelhante.”

Para o gerente de Marketing e Produto para América do Sul da AGC, Thiago Malvezzi, o uso da Inteligência Artificial em nosso mercado, ao menos no Brasil, ainda levará alguns anos para ser adotado em larga escala. “Desde o ano passado, a AGC promove um fórum global de novas tecnologias com foco em IA. Esse evento reúne colaboradores de diversas partes do mundo para apresentar projetos e explorar possibilidades. Embora seja amplamente reconhecido em nosso mercado vidreiro que o conhecimento é crucial, ainda precisamos dedicar mais atenção a isso”, reflete.

“A IA está começando a tecer seus padrões intrincados no tecido dessa indústria. A verdadeira transformação, porém, provavelmente se desenrolará na próxima década”, analisa Moreno Magon, CEO da MM4Glass e diretor de Vendas, além de cofundador, da Latamglass. “A convergência da IA com outras tecnologias emergentes, como Internet of Things (IoT) e robótica avançada, acelerará ainda mais essa transformação. Então, fique de olho no horizonte: o mercado de máquinas de processamento, por exemplo, está à beira de uma evolução emocionante, que remodelará a indústria de maneiras que estamos apenas começando a imaginar.”

Como será essa revolução
A IA pode ser aplicada em várias etapas, desde a automação de processos de produção até a análise de dados de mercado e previsão de demanda. De acordo com as fontes consultadas por O Vidroplano, entre os principais pontos que essa tecnologia irá melhorar estão:

  • Monitoramento da qualidade: detectará imperfeições em tempo real, prevenindo falhas e aumentando a produtividade, o que resultará em uma produção mais eficiente, com menor custo e maior qualidade final;
  • Manutenção dos equipamentos: será possível prever com mais precisão os ciclos de manutenção das máquinas, evitando paradas inesperadas e otimizando a produção;
  • Utilização aprimorada dos equipamentos: ajudará a aumentar a eficiência energética, reduzindo, como consequência, a emissão de CO2. Contribuirá também para uma rápida identificação de incidentes na linha de produção, fazendo correções imediatas;
  • Personalização da experiência do cliente: será possível oferecer soluções sob medida e antecipar necessidades com base em dados históricos de compra e comportamento.

Para Ron Crowl, gerente da empresa norte-americana Cyncly e diretor da National Glass Association (a associação das empresas vidreiras dos Estados Unidos), a IA também atuará no gerenciamento de estoque, uma atividade crítica para qualquer companhia do segmento. “Ao automatizar ordens de compra, o sistema garante que os níveis de estoque sejam mantidos de forma eficiente, sem a necessidade de intervenção manual. Essa funcionalidade pode ser projetada para analisar níveis de estoque, prever requisitos futuros com base em padrões e fazer pedidos automaticamente para repor o nível de produtos, garantindo que a cadeia de suprimentos seja ininterrupta e responsiva às flutuações de demanda”, escreveu Crowl em artigo na revista Glass Magazine.

 

Por conta do tamanho de suas operações, as usinas serão o elo que mais apostará na pesquisa por soluções com IA (Foto: Vasily Smirnov/stock.adobe.com)
Por conta do tamanho de suas operações, as usinas serão o elo que mais apostará na pesquisa por soluções com IA (Foto: Vasily Smirnov/stock.adobe.com)

 

A presença da IA hoje nas empresas
Por conta do tamanho de suas operações, as usinas são o elo que mais investe na pesquisa por soluções com Inteligência Artificial. A AGC desenvolveu uma tecnologia baseada no ChatGPT. Disponibilizada gratuitamente para todos os colaboradores, ela possibilita aos funcionários receber respostas com base nos dados internos da ferramenta – por exemplo, na área de vendas, ela permite conhecer o desenvolvimento de serviços e produtos e ajuda a alcançar os clientes com agilidade. “Além disso, a empresa incentiva o uso desse poderoso recurso nas atividades diárias, para que todos possam se familiarizar com a tecnologia e adaptar suas tarefas aos benefícios que ela proporciona”, afirma Thiago Malvezzi.

A Cebrace está estudando como aplicar a tecnologia a seus processos. “Estamos de olho nesses avanços e enxergamos a importância da adoção da IA, a qual ainda exige estudos e acompanhamento para uma implementação mais segura, robusta, e padronizada”, revela a gerente de Marketing, Inovação & Sustentabilidade, Monica Caparroz. “A partir da análise desses impactos, se tudo apontar que é possível avançar ou acelerar a inovação, com certeza ela será implementada, seja em processos de comunicação e colaboração ou em processo produtivo.”

A Guardian também está focada em entender tais conceitos – os existentes e os que surgirão num futuro breve. “Somos desafiados a abraçar mudanças de forma lucrativa, além de sermos incentivados a buscar oportunidades para adquirir conhecimento e implementar casos de uso que gerem valor à medida que os encontramos”, analisa o gerente de Marketing Arthur Lacerda. Segundo ele, a equipe da Guardian está desenvolvendo uma ferramenta de IA generativa que ajudará os clientes a navegar pelos aspectos técnicos do vidro.

A Vivix utiliza sistemas de IA tanto na área fabril como no suporte à área comercial. “Vale citar o uso no controle avançado do forno, que visa a aumentar a estabilidade do processo produtivo e melhorar a eficiência energética, e o Engenheiro Virtual da Vivix, que ajuda a reduzir a curva de aprendizado e apoia nossas equipes de produção e qualidade na tomada de decisões mais assertivas, integrando melhor os dados industriais e de negócios”, explica Henrique Lisboa. Esses projetos foram desenvolvidos em parceria com empresas como Amazon, Deloitte e UPE.

É possível dizer que o segmento de softwares para o setor vidreiro está avançado nesse quesito, pois os próprios sistemas contêm Inteligência Artificial. “Hoje contamos com a IA em diversas áreas em nossas soluções”, aponta Priscila Kimmel, gerente-comercial da SystemGlass. “Está em tudo que possa ser integrado automaticamente, criando assertividade e reduzindo mão de obra operacional para nossos clientes.” Isso inclui automações inteligentes na parte administrativa dos softwares; ecossistemas para autonomia comercial no e-commerce WebGlass; e outras automações para a integração das linhas de produção, deixando os processos das beneficiadoras sem nenhuma intervenção humana.

O que mudará no processamento de vidros?
Os diversos elos fabris do setor podem ganhar mais produtividade e eficiência com a IA. E em relação às etapas do beneficiamento, a que mais deverá passar por um processo de revolução será a têmpera. “Em essência, a IA é como um maestro, orquestrando os vários elementos do processo para criar uma sinfonia de eficiência, qualidade e inovação”, aponta Magon, da MM4Glass e Latamglass. Para ele, a IA mudará o gerenciamento desse trabalho em diversos pontos:

  • Otimização do fluxo de trabalho: “Algoritmos podem analisar dados de produção para identificar gargalos e ineficiências, de forma a agilizar as operações, alocar recursos de forma mais eficaz e minimizar os tempos de inatividade”;
  • Controle e garantia de qualidade: “Os sistemas de visão computacional orientados por IA podem inspecionar continuamente os vidros em busca de defeitos com precisão incomparável. Além disso, será possível analisar padrões de defeitos para identificar as causas básicas e implementar ações corretivas”;
  • Gestão de energia: “Ao analisar os padrões de uso de energia e identificar oportunidades de redução, a tecnologia ajuda os gerentes de produção a implementar práticas energeticamente eficientes, levando à economia de custos e a uma pegada ambiental menor”;
  • Treinamento e desenvolvimento de funcionários: “Os programas de treinamento orientados por IA podem personalizar as experiências de aprendizado dos funcionários, identificando lacunas de habilidades e fornecendo módulos de ensino direcionados”.

 

Foto: grigoryepremyan/stock.adobe.com
Foto: grigoryepremyan/stock.adobe.com

 

De olho nos perigos
Como toda a tecnologia, a Inteligência Artificial também desperta receios: profissionais humanos deixarão de ser necessários para certas tarefas? O desemprego, como consequência disso, pode aumentar? O que fazer quando, de fato, nossas empresas estiverem atuando com esses sistemas? “Com investimentos em requalificação e treinamento, podemos minimizar esses efeitos e garantir que a IA complemente e potencialize o trabalho humano, em vez de simplesmente substituí-lo”, reflete Thiago Malvezzi, da AGC. “Para que isso ocorra de forma efetiva, é crucial que tanto as empresas como os governos apoiem e incentivem essa requalificação, proporcionando os recursos necessários para que a transição seja justa e inclusiva.”

Priscila Kimmel, da SystemGlass, acredita que o impacto será mais de complementação do trabalho humano do que de substituição. “A IA pode automatizar tarefas repetitivas e aumentar a precisão, mas a expertise, a criatividade e a capacidade de resolução de problemas dos profissionais continuarão sendo essenciais.”

A ideia é compartilhada por Henrique Lisboa, da Vivix. “A IA permite que os profissionais se concentrem em atividades mais estratégicas e de alto impacto, proporcionando o desenvolvimento das nossas pessoas. Ao investir no aprimoramento das competências dos colaboradores, garantimos que a força de trabalho esteja alinhada com as novas demandas do setor, aumentando a eficiência e agregando mais valor ao negócio”, aponta.

Portanto, se você ainda não pensava no assunto, fique ligado: a era da IA chegou.

Este texto foi originalmente publicado na edição 621 (setembro de 2024) da revista O Vidroplano. Leia a versão digital da revista.

Foto de abertura: ipopba/stock.adobe.com

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