No final de abril, duas medidas de defesa comercial foram protocoladas junto ao governo federal com o objetivo de reduzir a crescente importação de vidros laminados (NCM 7007.29.00), cujos números bateram recordes no ano passado, como mostrado pelo Panorama Abravidro 2025. Essas iniciativas se juntam a outras em vigência ou em estudo, como uma forma de defesa do setor vidreiro nacional contra o dano causado pela entrada indiscriminada de vidros estrangeiros no País. Para ajudar o leitor a entender a situação atual de cada uma dessas medidas, O Vidroplano analisa todas elas nesta reportagem.
Cerco aos laminados
Em relação aos laminados, os dois pleitos foram apresentados pela Associação Brasileira das Indústrias de Vidro (Abividro). Um deles pede a abertura de investigação de dumping nas importações do produto oriundas da China, enquanto o outro solicita aumento da alíquota do Imposto de importação, para esse tipo de vidro, de 10,8% para 30%.
Em 2024, o Brasil importou 27.158 t de laminados, 34% a mais do que em 2023. Nos anos de 2023 e 2024, a importação de vidros processados, em especial do laminado, alcançou um percentual relevante em relação às quantidades vendidas do produto – são os maiores volumes importados desse vidro desde o início da série histórica disponível nos dados públicos do governo (a partir de 1997). “Nossa preocupação é garantir a competitividade da indústria nacional em todos os elos da cadeia, não apenas das usinas de base”, afirma Lucien Belmonte, presidente-executivo da Abividro.
A Abravidro tem interesse especial no caso, já que tais importações atingem diretamente a cadeia de beneficiamento, justamente a representada pela entidade. “Observamos com preocupação a forma como as processadoras vêm sofrendo com a assimetria entre os preços dos importados e os custos de produção no Brasil”, afirma Rafael Ribeiro, presidente da associação. “Defendemos um mercado justo, com concorrência leal e que gere riqueza para o nosso país.”
Importância desses instrumentos
Medidas de defesa comercial são pensadas para trazer equilíbrio a uma situação desbalanceada envolvendo comércio exterior. “Essas medidas permitiram aos países que firmassem acordos de comércio mais abrangentes a partir da Rodada Uruguai, reunião que estabeleceu a criação da Organização Mundial de Comércio (OMC) nos anos 1990. O objetivo era evitar que desequilíbrios setoriais considerados importantes pelos países comprometessem os negócios”, explica Sergio Goldbaum, economista da GPM Consultoria. “Em termos gerais, a importância delas está na preservação do equilíbrio comercial entre os países. Em termos setoriais, os objetivos são diversos, especialmente resguardar a competitividade da produção doméstica frente às exportações.”
No momento, um novo elemento entrou no “jogo” do comércio internacional: a guerra comercial entre os Estados Unidos e a China. “A escalada do conflito parece indicar que esses instrumentos não estavam sendo suficientes para garantir o equilíbrio pretendido, apesar do uso crescente deles por parte dos Estados Unidos. Para o Brasil, a situação toda apresenta, como sempre, riscos e oportunidades. Por exemplo: as exportações chinesas para o território americano podem ser desviadas para nosso país, prejudicando algumas indústrias domésticas; por outro lado, a China pode começar a importar mais do Brasil, beneficiando setores da economia brasileira”, analisa Goldbaum. A ver se medidas como o antidumping continuarão sendo eficazes com o novo panorama global.
Principais medidas de defesa comercial
- Antidumping
O dumping é uma prática comercial que consiste em uma ou mais empresas de um país venderem seus produtos, mercadorias ou serviços por preços abaixo dos valores que essas empresas vendem no seu mercado de origem. “Muitas vezes isso é feito com o objetivo de ganhar mercado em outro país, tirando participação daquela indústria doméstica”, comentou o advogado e consultor jurídico da Abravidro, Rabih Nasser, em episódio do VidroCast sobre antidumping, no ano passado. Caso sejam comprovados a prática de dumping, o dano à indústria local e o nexo causal (ou seja, a relação entre o dumping e o dano observado), o governo pode aplicar medidas antidumping. Essa decisão tem validade de cinco anos, havendo a possibilidade de pedido de revisão visando à sua prorrogação – importante: ao longo do processo de revisão, as medidas antidumping permanecem em vigor.
- Aumento de tributos sobre importação
O aumento de tributos sobre importações está amparado pelo dispositivo chamado Desequilíbrios Comerciais Conjunturais (DCC). Criado pelo Mercosul, tem como objetivo barrar os impactos às indústrias dos países membros do bloco por conta de flutuações transitórias no comércio de produtos causadas, por exemplo, pelo aumento repentino nas importações ou queda anormal de preços dos importados. O DCC permite que os países membros do Mercosul elevem as alíquotas de importação acima da Tarifa Externa Comum (TEC) de forma temporária, a fim de proteger seus mercados e economias.
A seguir, confira a situação atual de todas as medidas relacionadas à importação de vidros.
EM VIGOR
Antidumping do float incolor
- O que é: direito antidumping definitivo aplicado às importações brasileiras de vidros float incolores (NCM 7005.29.00), com espessuras de 2 a 19 mm, originárias da China, Egito e Emirados Árabes Unidos. Vidros do México também entraram na medida, mas a aplicação para o país foi suspensa.
- Vigência: até fevereiro de 2026
- Histórico: em 19 de dezembro de 2014, a Resolução Camex nº 121/2014 aplicava pela primeira vez no Brasil direitos antidumping sobre as importações de vidros float incolores. A decisão incluía importações originárias da China, Egito, Emirados Árabes Unidos, Estados Unidos da América, Arábia Saudita e México. A medida foi fruto de petição apresentada pela Abividro, em nome da Cebrace e da Guardian. Após vigência de cinco anos, iniciou-se, em dezembro de 2019, o processo de revisão do direito. Em fevereiro de 2021, o Comitê-Executivo de Gestão (Gecex) da Câmara de Comércio Exterior (Camex), órgão do Ministério da Economia, após análise do parecer de determinação final da Subsecretaria de Defesa Comercial e Interesse Público (SDCOM), aprovou a renovação do direito por mais cinco anos. O ato excluiu do processo as importações dos Estados Unidos e Arábia Saudita – em relação ao México, houve a renovação do direito antidumping, porém com imediata suspensão da aplicação, em razão da existência de dúvidas quanto à provável evolução futura das importações originárias desse país.
Antidumping do vidro automotivo
- O que é: direito antidumping definitivo aplicado às importações brasileiras de vidros automotivos (NCMs 7007.11.00, 7007.19.00, 7007.21.00, 7007.29.00 e 8708.29.99) originárias da China.
- Vigência: até fevereiro de 2028
- Histórico: em 2017, o direito antidumping era aplicado às importações brasileiras de vidros automotivos chineses após petição da Abividro. Em fevereiro de 2023, a prorrogação da medida por mais cinco anos foi aprovada pelo Gecex. Apesar de o volume de vidros automotivos da China não ter sido considerado representativo, constatou-se que haveria probabilidade de retomada do dumping e do dano à indústria doméstica, principalmente pelo elevado potencial exportador desse país e dos preços baixos praticados nas exportações.
Extensão do antidumping do vidro automotivo
- O direito antidumping do automotivo ganhou extensão às importações brasileiras de vidros recurvados, biselados, gravados, brocados, esmaltados ou trabalhados de outro modo (NCM 7006.0000), originários ou procedentes da China, que venham a ser utilizados na fabricação de vidros de segurança laminados empregados no setor automotivo.
- Vigência: até fevereiro de 2028
- Histórico: em maio de 2023, foi iniciada uma investigação com o objetivo de apurar se houve circunvenção, prática para frustrar a eficácia do antidumping do vidro automotivo. Ao final do processo, em fevereiro de 2024, o Departamento de Defesa Comercial (Decom) confirmou a prática de circunvenção nas importações de vidros e PVB de origem chinesa durante o período investigado. Por isso, os laminados importados voltados para esse segmento foram incluídos na aplicação da medida. A Abravidro credenciou-se como parte interessada no processo para retirar o PVB da lista, já que não existe produção doméstica desse insumo e, se a medida fosse ampliada para ele, poderia haver grande prejuízo para nosso setor. O órgão acolheu os argumentos da associação e o PVB foi excluído da decisão final sobre a extensão do antidumping.
Antidumping do espelho
- O que é: direito antidumping definitivo aplicado às importações brasileiras de espelhos não emoldurados (NCM 7009.91.00) originárias da China. Espelhos do México também entraram na medida, mas a aplicação para o país foi suspensa.
- Vigência: até fevereiro de 2027
- Histórico: em fevereiro de 2016, aplicou-se o direito antidumping sobre importações de espelhos não emoldurados originárias da China e do México. A investigação se deu a partir de pedido da Abividro. O processo de revisão do direito começou em fevereiro de 2021, sendo aprovado no início de 2022 para as importações chinesas. Com relação às importações oriundas do México, houve a prorrogação do direito antidumping, porém com imediata suspensão, em razão da existência de dúvidas quanto à provável evolução das importações vindas desse país.
Aumento da alíquota de importação para o float incolor
- O que é: a alíquota de importação do vidro float incolor (NCM 7005.29.00) teve aumento de 9% para 25%. A medida vale somente no Brasil, para produtos de qualquer origem, inclusive de países membros do Mercosul.
- Vigência: dezembro de 2025
- Histórico: em novembro de 2024, a Camex atendeu um pleito da Abividro amparado no mecanismo de DCC.
EM REVISÃO
Antidumping do vidro para eletrodomésticos da linha fria
- O que é: direito antidumping definitivo aplicado às importações brasileiras de vidros para uso em eletrodomésticos da linha fria (NCM 7007.19.00) originárias da China.
- Histórico: a primeira vez que importações chinesas desse vidro receberam medidas antidumping foi em julho de 2014, a partir de petição da Abividro. Após o término dos cinco anos de vigência, pediu-se a sua prorrogação, o que foi aprovado pela Camex em junho de 2020. À época, concluiu-se que a extinção do antidumping levaria à retomada do dano a empresas nacionais. Isso se justificou, principalmente, devido ao elevado potencial exportador chinês e aos baixos preços praticados por fabricantes do país asiático durante o período investigado. Agora, estuda-se mais uma vez a prorrogação desse direito.
EM ANDAMENTO
Antidumping do float incolor para novas origens
- O que é: direito antidumping definitivo aplicado às importações brasileiras de vidros float incolores (NCM 7005.29.00), com espessuras de 1,8 a 20 mm, oriundas da Malásia, Paquistão e Turquia.
- Histórico: em julho de 2024, o Decom aprovou o início de investigação para averiguar a existência de dumping nas exportações de vidros float incolores, com espessuras de 1,8 a 20 mm, oriundas da Malásia, Paquistão e Turquia. Em fevereiro deste ano, chegou-se a uma definição preliminar: a de que houve dano à indústria vidreira nacional. No entanto, optou-se por não aplicar o direito antidumping provisório. Naquele mês, foi realizada audiência com representantes das usinas de base brasileiras e representantes das empresas dos três países para dar continuidade à investigação. A decisão final é esperada para o fim de 2025 ou começo de 2026.
PROTOCOLADAS
Antidumping do vidro laminado
- O que é: direito antidumping definitivo aplicado às importações brasileiras de vidros laminados (NCM 7007.29.00) originárias da China.
- Histórico: pedido protocolado junto ao governo federal, ainda sem prazo para definição.
Aumento da alíquota de importação para o laminado
- O que é: aumento da alíquota do Imposto de importação para esse tipo de vidro, de qualquer origem, de 10,8% para 30%.
- Histórico: pedido protocolado junto ao governo federal, ainda sem prazo para definição.
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