Alexandre Pestana e Sérgio Goldbaum analisam Panorama 2025

Se os números de 2024 em geral não foram bons, ao menos foram melhores do que em 2023: ano passado, tivemos redução de 5,6% no faturamento e de 0,5% na quantidade vendida; já no ano anterior, a baixa foi de 9,7% e de 3%, respectivamente. É possível dizer que estamos estancando a queda dos últimos períodos?
Alexandre Pestana – Acho que essa é a conclusão. Vamos lembrar que essa base comparativa inclui a pandemia, quando tivemos uma intensidade muito grande de reformas, com a construção civil numa dinâmica acelerada. Com a base comparativa de 2019, ano anterior ao período pandêmico, o setor está trabalhando com uma taxa um pouco superior em volume, principalmente no temperado e laminado. A preocupação é que, de 2019 a agora, a gente adicionou muita capacidade. Várias empresas fizeram investimentos, acrescentando disponibilidade de vidro, e isso não acompanhou o volume total vendido, não é? Então, um problema do setor é essa sobreoferta expressiva.

Sérgio Goldbaum – É importante comparar isso, para qualificar essa sensação de frustração relativa, com a evolução dos demais setores que consomem vidro plano processado, porque quase todos apresentaram um resultado bastante razoável em 2024 – não de crescimento expressivo, mas de boa recuperação. Então, segmentos como o automotivo e o de construção civil tiveram performance razoavelmente boa – e nossa expectativa era de que acompanhássemos isso.

AP – Tem um produto muito típico de obras novas que é o laminado. E esse teve um crescimento expressivo. O dado de 2024 é superior, inclusive, ao do período da pandemia. O temperado segue como o maior produto da nossa cadeia produtiva não automotiva, apesar de com um desempenho pior do que o laminado. Esse é um ponto de preocupação, mas acho que o laminado exemplifica essa questão comentada: o crescimento do PIB da construção civil foi na faixa de 4% e esse produto reflete isso. O laminado é um produto típico de envoltória. E o aumento no seu uso mostra uma maior sofisticação das especificações de vidro no Brasil, com vidros de maior valor agregado substituindo vidros de baixo desempenho.

 

“O laminado é um produto típico de envoltória. E o aumento no seu uso mostra uma maior sofisticação das especificações de vidro no Brasil.” Alexandre Pestana
“O laminado é um produto típico de envoltória. E o aumento no seu uso mostra uma maior sofisticação das especificações de vidro no Brasil.”
Alexandre Pestana

 

Já que citaram o laminado, não podemos deixar de comentar as importações. Em 2024, tivemos 27 mil t importadas desse material entrando no Brasil, um crescimento de 35% em relação a 2023. Como analisar o impacto das importações de vidros processados?
AP – Há uma única certeza em relação ao comércio internacional atualmente: nenhuma. A dúvida impera. A gente vê uma reconfiguração do comércio internacional. Todas as regras e parâmetros que, nas últimas décadas, nortearam os negócios, foram quebradas. E há uma preocupação real no nosso setor, pois o Brasil sempre foi importador de matérias-primas, sejam float ou impresso. O crescimento desse indicador para processados é algo novo. Ano passado nós fechamos com 27 mil t de importação do laminado – em 2025, com quatro meses fechados, estamos com quase 15 mil t. Então, se a gente projetar esse volume para o ano todo, serão 45 mil t, quase o dobro do que tivemos no ano passado, que já foi recorde histórico. Isso é um sintoma dessa reconfiguração global, em que os produtores asiáticos estão canalizando seus excedentes por conta do novo protecionismo que se estabelece mundo afora.

SG – Vejo pelo menos três movimentos dessa nova realidade. Um deles é a destruição do comércio entre China e Estados Unidos. Talvez até seja retomado, mas o estrago está feito. O segundo é a deflexão de comércio: os produtos que chineses vendiam para os americanos serão defletidos para outros destinos. Então, se estamos preocupados com a balança comercial de 2024 para os laminados, receio dizer: aguardemos a de 2025… Se o governo não tomar medidas de acerto, pode vir uma enxurrada de produtos chineses em vários setores. E, por fim, tem ainda o desvio do comércio. Ou seja, os Estados Unidos vão desviar as importações da China para outras origens, incluindo o Brasil. Acho que a indústria de vidro deve estar muito preocupada com a evolução do comércio mundial.

AP – Sim, a indústria inteira de transformação no Brasil está preocupada. Mais da metade do vidro produzido no mundo é da China. Mesmo que os Estados Unidos voltem atrás, a reconfiguração é inevitável. E o Brasil, certamente, está na lista prioritária – disso eu não tenho dúvidas.

 

“Houve um aumento importante da participação das empresas no Panorama 2025, o que a gente recebe com imensa alegria.” Sérgio Goldbaum
“Houve um aumento importante da participação das empresas no Panorama 2025, o que a gente recebe com imensa alegria.”
Sérgio Goldbaum

 

 

Outro vidro de destaque no Panorama foi o insulado, que teve um acréscimo em volume de 49,3%. Em valores absolutos, ainda é pouco, pois atingiu pela 1ª vez a marca de 1% do total. Mas se a gente considerar que é um material com potencial imenso, essa é uma ótima notícia em meio a preocupações. Concordam?
SG – Os insulados vêm crescendo há alguns anos. Em relação à expectativa da construção civil para este ano, o Sinduscon-SP [Sindicato da Construção Civil do Estado de São Paulo] aponta que o indicador continua positivo. Então, eu entendo que esses vidros vão continuar tendo demanda. É possível ter um otimismo moderado para 2025.

AP – Talvez essa tenha sido a melhor notícia que o Panorama trouxe. Para falar a verdade, é uma frustração da nossa cadeia produtiva o ainda baixo desempenho dos insulados. Existe consumo expressivo dessa solução não só em mercados maduros em consumo de vidro, como na Europa, mas aqui também na América do Sul, como no Chile, Argentina. É uma solução que, tecnicamente, reúne o que há de melhor que a gente tem a oferecer para o usuário, para um sistema de envidraçamento. Acho que estamos iniciando uma nova era do insulado no Brasil, em especial na construção.

Uma questão sobre a qual não podemos deixar de conversar aqui é a ociosidade. Na pesquisa qualitativa do Panorama, 25% das empresas declaram ter ociosidade superior a 40%, enquanto 40% das processadoras afirmam estar entre 20% e 40%. Como podemos analisar esse dado?
AP – A indústria do Brasil, por tradição, tem uma capacidade muito maior do que a demanda efetiva. Existem dois pontos que, passa ano, muda década, são questões de atenção dentro da Abravidro. Um é esse excesso de capacidade de toda a cadeia produtiva do vidro, que começa na usina de base e vai até a indústria de transformação. Claro que isso gera efeitos perversos, um nível de competitividade insano que nós temos aqui. Porém, ao mesmo tempo também coloca as empresas para entregar excelência, pois nada melhor para desenvolver uma empresa do que uma concorrência acirrada. Então, hoje, temos um padrão de serviço mais elevado dentro da cadeia, o que leva a gente a desenvolver outras coisas – e claro que com um custo: a baixa rentabilidade, que se associa sempre a um ambiente com sobreoferta. A Europa, com 400 milhões de habitantes, tem um consumo per capita de vidro mais do que o dobro do que o Brasil, só que com menos indústrias do que o Brasil. Isso reflete muito bem nossa ociosidade.

Se hoje o setor consegue debater números e entender os movimentos do setor, é porque estamos criando uma cultura de dados no mercado, com processadores participando das nossas coletas de informações para os estudos. No mês em que a Abravidro completa 35 anos, podemos considerar essa como uma das grandes conquistas da entidade?
AP – Não há dúvidas. Qualquer segmento que não tenha o mínimo de clareza sobre o que ele representa tende a ser pior do que outros com esse entendimento. Eu não consigo sentar para fazer um planejamento sem ter em mãos os dados que a Abravidro produz. Acho que envolve uma maturidade do empresariado.

Este texto foi originalmente publicado na edição 629 (maio de 2025) da revista O Vidroplano. Leia a versão digital da revista.

Fotos: reprodução

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